Este vídeo acima é um poema de Florbela Espanca cantado por Mariza
Muita gente publica textos de Florbela Espanca na Internet, mas poucos sabem algo sobre esta poetisa, especialmente aqui no Brasil. Então, o post de hoje será sobre ela, e é por certo um tema maravilhoso.
Havia na cidadezinha alentejana de Vila Viçosa ao centro-sul de Portugal, não longe da fronteira com Espanha, um homem rico chamado João Maria Espanca, casado com Marina Inglesa desde 1887. Era sapateiro e antiquário, e posteriormente viria a ser um dos pioneiros no cinematógrafo em Portugal. Sua mulher era estéril, porém ele queria ser pai, recorrendo então à um antigo costume medieval segundo o qual um homem é autorizado a cometer adultério se sua esposa não lhe dá filhos para que os filhos que nasçam dessa relação fora do casamento posteriormente sejam trazidos para a sua casa. Marina concorda, e João procura Antónia Lobo, uma mulher humilde, mas muito bonita e cobiçada da vila, que trabalhava como criada, e depois de raptá-la e mantê-la escondida, nasce a menina que recebe o nome de Flor Bela Lobo em 8 de Dezembro de 1894 , tendo como madrinha a mulher legítima de seu pai e sendo registada como filha de Antónia e de pai incógnito. Foi levada para a casa dele, sendo cuidada pela madrinha e amamentada pela mãe. Seu pai foi reconhecê-la somente muitos e muitos anos depois (1949), após a morte da poetisa, quando ele já contava 83 anos!
Sua relação com o pai era de admiração total por ele, um homem com comportamento hipócrita: exigia dos filhos obediência total, mas era distante. Mulherengo, teve várias amantes e com elas vários filhos que recusava-se a reconhecer também. Florbela nunca viu a paixão do pai pelas mulheres como um problema, pelo contrário, foi dele que herdou seu "donjuanismo". Porém, à filha, João não aprovava o comportamento solto, chegando inclusive a romper as relações com ela durante dois anos, quando de seu segundo divórcio. É provável que sua infância não tenha sido feliz, um pai pouco afectivo e a falta da mãe verdadeira atestam isso. Sua infância muitas vezes dá inspiração à sua obra, e esse período pobre em vivências de sua vida nunca foi superado por ela.
Florbela tinha uma doença (uma neurose chamada neurastenia) herdada da mãe, a mesma que a matou. Através dela, Florbela conheceu abortos, envelhecimento precoce, nervosismo e ansiedade, circunstâncias que, aliadas a episódios de sua vida (como a morte do irmão) e ao seu consumo de soporíferos e cigarros, contribuíram para o enfraquecimento progressivo de sua saúde física e mental. Florbela era depressiva e vivia em estado de constante insatisfação.
O primeiro poema ela escreveu aos sete anos. Nele, pode-se perceber a precocidade de Florbela. Trata-se de "A Vida e a Morte", que segue-se abaixo:
A Vida e a Morte
O que é a vida e a morte
Aquela infernal inimiga
A vida é o sorriso
E a morte da vida a guarida
O que é a vida e a morte
Aquela infernal inimiga
A vida é o sorriso
E a morte da vida a guarida
A morte tem os desgostos
A vida tem os felizes
A cova tem as tristezas
A vida tem as raízes
A vida tem os felizes
A cova tem as tristezas
A vida tem as raízes
A vida e a morte são
O sorriso lisonjeiro
E o amor tem o navio
E o navio o marinheiro
O sorriso lisonjeiro
E o amor tem o navio
E o navio o marinheiro
Quando a mãe de Florbela morre, em 1908, sua família muda-se e a leva para Évora, uma cidade maior, onde ela dá continuidade aos estudos. Lá, descobre o amor. Namora com José Marques e Alberto Moutinho, terminando por casar-se com este no dia do seu aniversário de 19 anos, no civil. Teve três casamentos no decorrer de sua vida, e dois divórcios. Florbela passeou pelo magistério e pelo jornalismo, foi tradutora de romances franceses, estudou letras e iniciou a faculdade de direito, que não chegou a concluir. Sua obra, fosse em cadernos que escrevia, fosse em livros ou poemas dispersos que publicava, saiu lentamente, sem pressa, até que morreu, no dia de seu aniversário de 36 anos.
Embora seja bem provável que Florbela tenha morrido de suicídio, é preciso ressaltar que trata-se apenas de uma hipótese. Não há provas. Mas, se foi, foram cerca de duas horas de agonia, pois ela tomou muitos remédios (com a intenção de matar-se ou não?). Debaixo de sua cama, foram encontrados dois frascos do soporífero Veronal (usado na época) completamente vazios. Não fora a primeira vez que tentou matar-se.
Foi uma mulher avançada demais para seu tempo, fosse pelo espírito livre e independente, fosse pelas roupas que usava e pelos comportamentos que assumia. Divorciada e casada várias vezes, escritora com carga erótica e ainda por cima uma filha ilegítima, sua vida foi cercada de boatos e rejeição, só recebendo reconhecimento como grande poetisa após sua morte, ao que muito contribuiu o suicídio (real ou não) para chamar a atenção das pessoas sobre quem era aquela figura enigmática e melancólica, com mania de evasão da realidade cinzenta do comum da vida e sonhos românticos. Estava prestes a publicar o seu terceiro livro, Charneca em Flor... Hoje, é considerada uma das maiores figuras femininas da literatura universal, e seus poemas, e com menor força os contos, são lidos até hoje. As palavras mais usadas em seus escritos mostram o quanto era intimista e dotada de um ardente desejo e ânsia de vivenciar algo extraordinário e grande - alma, amor, saudade, beijos, olhar, versos, poeta e os termos derivados dessas palavras.
Errante
Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.
Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura...
Meu coração não chega lá decerto...
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto...
Eu tecerei uns sonhos irreais...
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.
Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura...
Meu coração não chega lá decerto...
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto...
Eu tecerei uns sonhos irreais...
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!
13 comentarios:
Que vídeo lindo! Dá-nos a conhecer, e muito! sobre a vida desta Poetisa que amo de Paixão. Parabéns, mon cher ami!
Fui a Vila Viçosa, conhecer sua morada. Lá as calçadas são de mármore róseo, porque o chão é árido e quase só brotavam pedras (e muito girassóis), para que esta menina as pisasse de pés nus. Estive ao castelo, em que supostamente o seu pai *teria raptado a sua mãe, que, segundo o relato do óbito, teria morrido de *nevrose*. E também, percorri Évora e a sua vasta Biblioteca, que ela costumava freqüentar. E o que dizer do Amor entre os irmãos, entre a filha e o pai, com as amigas, com a mãe adotiva?. Que Vida! Ai, falei demais.
Bisous**********************
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha
Florbela Espanca
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
Bisous**********
Renata
Puxa, deve de ter sido uma viagem mesmo fantástica! Por que nunca nos contaste antes? Florbela é uma de minhas figuras literárias mais queridas, admiro-a de paixão.
Obrigado pelos versinhos que compartilhas aqui. Enriqueceram mais ainda o meu cantinho, amiga.
Logo, logo vou ao teu espaço também, és uma óptima escritora, e tens bom gosto nos temas. Sabes que te admiro. Até breve!
Au revoir, ma douce amie!
Florbela foi uma mulher que fugiu a todos os parâmetros de seu tempo, e se a imaginarmos hoje, esta afirmativa ainda seria válida ...
Sua força, suas convicções, seu ativismo, suas emoções me encantam profundamente ...
bjux
;-)
Neste momentos, lembra a seguinte frase, viver intensamente, mas por um curto periodo, ou viver de forma mediocre por um longo tempo...
Penso que ela optou viver intensamente.
Fique com Deus, menino Hakime.
Um abraço.
Eu não conhecia nada sobre ela, nem mesmo os textos viu...
Obrigado por essa postagem...
abraços
Hugo
Concordo com o viver intensamente, mas não de uma forma destrutiva. Por que as pessoas "inteligentes" do passado e do presente sempre estão se destruindo de alguma forma? Eu sempre me pergunto isso.
ja li muito sobre Florbela..uma mulher intrigante.
Olha, eu estou me preparando apra o mestrado em Direito Humanitario, aqui na Suécia.Com vertente diferente dos Direitos Humanos, o Direito Humanitário é, ao meu ver, razao da minha vida,
dias felizes
Belíssimo raio X, desta poeta que tanto, ainda me encanta...Conhecendo um pouco mais a sua biografia, entende-se mais sua poesia, viceral, apaixonada...
ps. Grande abraço.
ps2. realmente, Flor Bela seria uma emo nos dias de hoje
Olá, meu caro! Desculpe a demora em visitar-te! Só agora vi o teu comentário, pois costumo só ler os do último post! Belo espaço tens aqui! Adorei saber um pouco mais sobre essa grande pessoa e poetisa que é a Florbela! Valeu! Abraços!
adoro Florbela. agora dizer que a rapariga era E.M.O., isso sim é algo que nunca havia imaginado sobre ela... confesso que achei um pouco ofensivo, considerando que o conceito é deturpado por aqui. Bjo
adoro Florbela. agora dizer que a rapariga era E.M.O., isso sim é algo que nunca havia imaginado sobre ela... confesso que achei um pouco ofensivo, considerando que o conceito é deturpado por aqui. Bjo
Querida Rosa cor de carvão:
Amei te reencontrar por aqui! Fazia tempo, não? Bem, o conceito de ser Emo pode ser deturpado em algumas cidades daqui do Brasil, mas ser emo quer dizer ser "emotivo", e nesse ponto acho que acertei em sugerir isto aqui no Blogue!
passe os panos
http://blog.uol.com.br/showposts.html?idBlog=3211090
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